sábado, 23 de abril de 2011

Vida

Uma brisa fresca paira na rua como uma nuvem suave, o sol ilumina-lhe o cabelo preto e longo e o rosto transparente que demonstra o seu nervosismo. Camisa engomada, gravata e o melhor fato que o dinheiro pode comprar. Mas nada disso lhe importa naquele momento. Tudo o que lhe importa é a mulher do outro lado da rua. Ela ilumina a inteira rua com o seu olhar verde e penetrante e o seu cabelo negro. Ténis, calções de ganga curtos e rotos, t-shirt velha. Os seus traços sedosos assemelham-se ao ser mais perfeito, o ideal de beleza. Fuma um cigarro tentando dar um ar de tranquilidade quando na realidade nunca se sentiu tão nervosa.
É hora de ponta e apesar da quantidade de carros e de pessoas que rasgam desenfreadamente pela rua, o mundo de ambos está praticamente parado. Tudo se move lentamente. E, o silencio é violado unicamente pelo palpitar frenético dos seus corações.
Olham-se, mas permanecem quietos, como que petrificados.
Ele pensa em mexer-se mas o nervosismo que lhe invade a alma não-lho permite.
Ela ao ver que ele permanece quieto é invadida por dúvidas: “- Ele não deve sentir o mesmo que eu!” ; “Ele não deve querer falar comigo, nem se está a mexer!”
Finalmente, ele ganha coragem e decide: “Vou ter com ela, mesmo que ela não sinta o mesmo, ela é linda e o seu olhar parece chamar-me!”
Antes de ele se mexer passa um autocarro e ele pensa: “ Assim que o autocarro passar vou ter com ela! Nada me vai impedir de estar com ela! ”
São os segundos mais longos da sua vida. Tudo parece estático. O seu coração bate tão depressa que aparenta que lhe vai sair do peito. O autocarro passa e ela já não está lá…pensou que ele não sentira aquele momento em que ambos pararam no tempo e se apaixonaram e foi-se embora.Ele sente que acabara de descobrir a sua razão de viver numa desconhecida do outro lado da estrada e que os seus medos o traíram. Uma palavra surge dos seus lábios como um grito de desespero: “-Fodasse!”



Filipe Fernandes 

Cinzento


A vida á minha volta floresce
Mas eu permaneço imóvel
Num cinzento que estremece

A ilusão quebrou-se perante os meus olhos
Fiquei parado, aprisionado pelos escolhos
Na bruma da tempestade
Lutei sozinho a luta do amor
A bonança nunca chegou
Abraço-me no dissabor

A penumbra deu lugar a luz
Que iluminou a realidade
Nós, nunca passou da minha vontade

Desfeito, na verdade
Contento-me com um sorriso ou um olhar
Em efeito, desmotivado
Nunca chegam a brilhar

Na minha alma fria
Só peço, algo para apagar este dia
Devolvam-me o calor
Perplexo, penso como seria…


Filipe Fernandes

Não Sobrevivo

O teu nome persegue-me,
Por estas ruas onde caminho só
Assombra-me, sem piedade nem dó

Vejo o teu olhar
Nestes becos escuros que percorro
Prendo-me na tua imagem
Onde é abafado qualquer grito de socorro

Por onde quer que me vire estás tu
Espalhando o terror na minha mente
Fica a recordação dum momento transcendente
Que me mantem preso a ti,felizmente

Nunca pensei abraçar tanto a dor
Mas ela faz-me sentir vivo
Tento enterrar o teu amor
Não consigo, não sobrevivo


                                                                                               Filipe Fernandes

Afogo-me

A luz dos candeeiros da rua trespassa a janela, e eu abrigo-me nesse feixe de luz. Idealizo a suavidade dos teus lábios, imagino o calor do teu rosto e a vida dos teus olhos. Idealizo, porque só isso posso…passaram dias dizem-me – a mim parecem anos – desde que o meu mundo parou por segundos, ao cruzar-me no teu olhar.
Muitos perdem-se na esbelta figura que portas. Eu não. Eu, perco-me nos teus olhos – o espelho da tua alma – uma troca de olhares contigo poderia durar uma eternidade, mas não dura.
Mas não, uma expressão que, aliás, se torna recorrente. Queria sentir o calor do teu corpo, mas não sinto. Queria provar a suavidade dos teus lábios, mas não provo. Queria abraçar-te e dizer-te ao ouvido com uma voz ternurenta um verdadeiro e sentido amo-te, mas não o faço. Pois tu não vês, ou não sentes os sinais. Não sentes os olhares, os abraços, as carícias, as palavras numa sedutora meia-voz.
Ontem tive um sonho. Eu afogava-me e tu olhavas impávida e serena. Acho que nem te apercebeste que me estava a afogar. Contudo, gritava. E tu, nada. Gritava e tu, nada.
Muitas pessoas acreditam que o que vemos nos sonhos são representações do nosso futuro ou presente. Estão certas. Pois o sonho representava o meu presente. Eu afogo-me no mar de ti e tu permaneces sem reparar em mim, nos braços de outro. Fodasse…




Filipe Fernandes

Inútil Fim

A lua brilha mas a luz não chega
Perco-me no teu rosto, único que me aconchega
O mundo á minha volta rui
Desvaneço em memórias do que outrora fui

Mal te vejo e não te sinto
E, quando te vejo, só te minto
Sempre estiveste perto e distante
Nos teus olhos encontrara a única atenuante

Mas eles não olham para mim
A cada passo mais perto
Do inútil fim

Minha alma grita
Mas não há ninguém por perto
Perdi tudo…
Mesmo o abraço que outrora fora certo

Filipe Fernandes

Humilde Perdição

Acordo e olho-te, no esplendor mais belo
Na emoção do momento mais singelo
És tu, mas não sou eu
O sentimento? Não sobreviveu
Quebrou…
Na fúria da tempestade que nos separou

Eu vejo-te ao longe
Deslumbrante,
Com a corrente foi-se a única atenuante
Sinto-me preso na tua cela
Onde o amor é deixado a apodrecer
Sem ti, não há magia, razão de viver

Na sombra observo
Cada gesto, cada feição
A mais bela visão
Humilde Perdição




Filipe Fernandes

Luz

E ai estava ela, nada mais, a luz. Cintilante envolvia-me. O verdadeiro sentido da vida. Veio a tempo? Sim, ainda sentia o meu coração a bater desenfreadamente, causa da adrenalina que abundava no meu corpo. E ela ao iluminar a gruta iluminava os recantos da minha alma. Daquele ponto em diante passei a acreditar em milagres.
Agora a luz iluminava a escura e poeirenta gruta, chamei-lhe esperança. Agora o silêncio gritava e o seu eco vibrava na minha cabeça, chamei-lhe a voz da vida.
É engraçado como só nos apercebemos do valor da vida quando a perdemos, ou quase perdemos. Quando atingimos o fundo e olhamos para cima. Apercebemo-nos que a vida é, realmente, bela.
Nos últimos meses tinha-me sentido sozinho. Tu não sabias que eu existia e, no fundo, a curiosidade pela morte aumentava em mim á medida que o teu sorriso se entranhava no meu coração e o meu sorriso não se entranhava no teu. O sentimento de impotência apoderara-se de mim. E contemplei a morte como o único escape ao sofrimento…estava errado.
E só me apercebi disso á medida que ia caindo no abismo.
Dizem que uma queda demora fracções de segundo. É mentira, a minha durou uma vida.
A ilusão da morte cegava-me e eu seguia maquinalmente – a vassalagem da vida -.
Mas, por fim, depois de cair no fundo é certo, encontrei a luz. Não era a mais perfeita e bela luz, contudo os seus raios brilhantes e translúcidos transmitiam a epifania que tivera depois da queda.
As coisas boas – que parecem não existir – estavam lá. Relembrei a minha curta vida de 19 anos. Todas as pequenas coisas - o primeiro abraço sentido, a primeira bebedeira, a descoberta da beleza do corpo feminino -, a beleza da vida.
Quando o choque da queda passou levantei-me e segui em direcção á luz e, á medida que caminhava, apercebi-me que não havia tempo de desistir, só tempo de lutar e cair. E, o que é uma queda senão um erro que nos traz sabedoria?

                                                                                                                                            Filipe Fernandes