segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Mendigo de coração

Acordei com o brilho dos teus olhos na cabeça
O clarão luminoso que peço que me endoideça
Leva-me ao limbo do mais altruísta sentimento
Onde eu movo montanhas, e tu és displicente,
Onde o pilar construído por nós
Desafia de braços abertos o destino mais atroz
E cai por terra, sem gestos, sem voz
Consumido pelo tempo que passa
Transformando cada olhar teu na minha desgraça

Travo a luta do amor por dois
Neste campo de batalha de puros sóis
A desilusão de quem sou,
E a ilusão de quem não sois
Nesses beijos, toques, abraços que o tempo levou
Ergo-me assim para o meu calvário
O homem,
Apaixonado pela mulher que deus amou

E, no celestial ar da tua graça
Á luz de quem há tua volta passa
Estou eu, mendigo de coração
Perguntando á irracional razão,
Se sabes quem somos,
Ou não?


Filipe Fernandes

L.I.N.A.

Passei hoje entre o amor e o ódio
Na mudança de um novo dia
Procuro nos espólios
O que sempre pensei que seria

Mas não foi e não será
Uma nova porta não se abrirá
Mas a velha janela por onde entrei
Tenta-me, como só eu sei

Abraçar o passado e não o largar
Gritar amor até não respirar
Viver na ilusão da companhia
Do singelo sorriso do dia-a-dia

Sempre defendi o progresso
Mas tenho medo do que está á frente,
Ou talvez só de não ir com gente
Como bom ateu, a deus peço
O contentamento de quem mente

Eu não minto a ninguém a não ser a mim próprio
Abraço a imaginação como o meu ópio
A minha ilusão amada
De uma vida partilhada
Um laço entre eu e nada

Enquanto anjos vão ao inferno e regressam aos céus
Leio nas outras pessoas a minha solidão
Intrigante e escondida em véus
Naquela que é a imagem da minha paixão
Assim, irreal, me diz adeus

                                                                       Filipe Fernandes

Desenfreada Calma

A areia passa na ampulheta
E eu mantenho-me igual, na minha diferença
No tempo que passa de chama acessa,
Nessa vontade de a mudança ser a certeza

Uma certeza incerta neste tempo de penumbra
Sinto-me traído pela minha própria sombra
Pois em matérias do corpo e da alma,
Todos nos somos réis, na desenfreada calma

E é no movimento da socialização,
Que jaz uma nova razão
Para a tirania de um passar à democracia de dois
Numa ligação que só perceberás depois


                                                  Filipe Fernandes

(Originalmente publicado em Ruptura: http://ruptura9.webnode.pt/)


Jaula

Acordo com o palpitar da cidade
Frenético e constante,
Perco-me, em verdade
No seu olhar ofegante
Que me traz prazer e dor
As suas ruas são a minha maneira de ser

Numa jaula de prédios enclausurado
Sem qualquer réstia de liberdade
Viver torna-se o derradeiro pecado
Num estilo sem-vontade, passa o dia-a-dia
Mas não há dia que não pense como seria
Levantar e abandonar,
Trocar o cinzento da cidade
Pelo verde da liberdade,
Afogo-me na sua linguagem fria
Rasgada por um raro olhar de simpatia
Que cai por terra em mais um ataque de demagogia

É esta a minha sina, a minha verdade
Sou só mais um, consumido pela cidade

                                                     Filipe Fernandes

(Originalmente publicado em Ruptura: http://ruptura9.webnode.pt/ )

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Igual


A lua põe fim ao novo dia
E eu movo-me nas luzes da noite
Caminho no tempo, do fim para o início
Tento a minha sorte com a nostalgia
A pés largos para o eterno oito

E esse destino que se empoleira em mim
É mais um sinal que a mudança do tempo
Me deixa igual, assim
Como sempre fui, como sempre serei,
Rei…

Rei do império da solidão,
Onde sou imperador e escravo
Na negra penumbra que me dá a mão
Onde a minha cara lavo
Para permanecer sujo

Enquanto o relógio cinzento bate
A mentira faz xeque-mate
E é assim que me encontro, igual a mim próprio
Tirem-me a realidade, o pesadelo é o meu ópio

                                                                                          Filipe Fernandes

Saudade

A noite gélida traz-me de volta a este lugar
Onde não me sei encontrar
Entre sorrisos antigos e olhares indiferentes
Afogo-me num mar de gestos displicentes

Já não te vejo em mim como via outrora
Nas juras do tempo infinito, passou da nossa hora
Também já não me vejo em mim,
Não sei quem sou
A destruição é o meu único dom

Perdido assim,
Sem nós…
Fica só a minha voz
Não é que te queira a ti,
Mas tenho saudades de mim

Filipe Fernandes